VOTO
A ação mandamental preenche os pressupostos e condições de
admissibilidade, razão pela qual a conheço.
É inequívoco que a cautelar preventiva deve ser decretada como garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou
para assegurar a aplicação da Lei Penal, quando houver prova da existência do
crime e indício suficiente de autoria, conforme disposto no art. 312 do CPP.
Os impetrantes sustentam que a decisão que decretou a medida constritiva
carece de fundamentação idônea, sobretudo porque lastreada unicamente na
gravidade em abstrato do crime e conjecturas em desfavor do réu, desconsiderando
os bons predicados do paciente e ainda, que não há contemporaneidade nos fatos.
Insta salientar que a análise acerca da imperatividade da prisão cautelar,
deve partir do pressuposto de que a ordem constitucional vigente avoca como regra
geral o direito à liberdade de locomoção, de modo que a custódia do indivíduo deve
ser o último recurso a ser utilizado pelo poder público.
Ademais, é sabido que, pela sua própria natureza, a prisão processual,
enquanto medida cautelar, requer demonstração de urgência, exigindo-se a
contemporaneidade entre os fatos ensejadores da medida e os riscos que se
pretende com a prisão evitar.
Na hipótese, depreende-se dos autos que o delito ocorreu no dia
11/03/2022, tendo o coacto cumprido 30 (trinta) dias de prisão temporária entre o
período de 22/07/2023 e 21/08/2023, sendo posto em liberdade.
Ato contínuo, o julgador a quo decretou a cautelar preventiva do paciente no
dia 05/09/2023 considerando a prova da materialidade, os indícios suficientes de
autoria e a gravidade em concreto do delito.
Com efeito, o sistema processual penal brasileiro, após a edição da
Constituição da República de 1988, adotou o entendimento de que a regra é a
liberdade e a exceção é a segregação cautelar, logo, para o encarceramento
preventivo há que existir decreto judicial devidamente fundamentado, no qual seja
evidente a necessidade da medida, o que não ocorreu na hipótese em comento.
Na espécie, perlustrando detidamente a decisão combatida, verifico que
nada de concreto foi assinalado pelo Juízo singular para manter a prisão cautelar
do paciente, senão a gravidade em abstrato do crime contra ele imputado.
No entanto, importante ressaltar que não se admite a prisão cautelar sem a
demonstração em concreto do periculum libertatis do acusado, sendo irrelevante a
gravidade do crime abstratamente considerado, as suas repercussões negativas e
a necessidade de apresentar uma resposta à sociedade, sob pena de violação à
garantia constitucional da presunção da inocência.
Neste aspecto, inegável que a suposta prática delitiva em questão se reveste
de considerável gravidade, principalmente porque se trata de crime hediondo.
Todavia, observo que a decisão não aponta dados concretos para justificar a
indispensabilidade da extrema ratio e/ou elementos que demonstrem o receio
concreto de recidiva delituosa do insurgente.
Vale destacar por oportuno, que o colendo Superior Tribunal de Justiça,
reiteradamente, tem reconhecido o constrangimento ilegal da prisão baseada na
gravidade em abstrato do delito, conforme se verifica:
“HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. ROUBO
M A J O R A D O . A U S Ê N C I A D E F U N D A M E N T A Ç Ã O
CONCRETA. ILEGALIDADE RECONHECIDA. 1. Apesar de
o paciente ter sido acusado da prática de crime de roubo
majorado, crime de natureza grave, a total falta de menção
aos fatos delitivos no decreto prisional, além da ausência da
indicação de elementos probatórios que indiquem a
necessidade da custódia cautelar como garantia da ordem
pública, por conveniência da instrução criminal ou para
assegurar a aplicação da lei penal, põe a nu a ausência de
fundamentação concreta para justificar a manutenção da
cautelar extrema. A justificação da prisão limitou-se à
gravidade genérica e abstrata do delito. 2. Habeas Corpus
concedido. (STJ - HC: 669176 SP 2021/0159859-0, Relator:
M i n i s t r o O L I N D O M E N E Z E S ( D E S E M B A R G A D O R
CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), Data de Julgamento:
14/09/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe
17/09/2021)”
Outrossim, a falta de contemporaneidade do delito imputado ao demandante
e a não ocorrência de fatos novos a justificarem a necessidade de segregação,
tornam a prisão preventiva ilegal por não atender ao requisito essencial da
cautelaridade.
Destarte, neste momento processual, não persevera a assertiva de que a
liberdade do paciente cause gravame à ordem pública, a instrução criminal ou à
aplicação da lei penal, mormente porque, por meio de consulta ao sistema
informatizado deste Tribunal, é possível constatar que se trata de réu primário, não
podendo se presumir que seja pessoa voltada à prática de ilícitos penais, ou que,
solto, irá conturbar a busca pela verdade real dos fatos e/ou se furtará das suas
responsabilidades penais.
Sendo assim, imperioso reconhecer que a decisão impugnada violou o
princípio insculpido no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, tendo em vista a
inexistência de fundamentação adequada para a manutenção da prisão cautelar do
paciente, impondo-se, portanto, a desconstituição de sua custódia preventiva.
Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM em favor de IVAN DAS GRAÇAS
SILVA, brasileiro, união estável, empresário, portador da Cédula de Identidade RG
n° 5533772 - PC/PA e do CPF/MF nº 997.004.442-34, filho de Antonio Batista da
Silva e Iva Maria das Grças, residente e domiciliado na cidade de Trairão- Pará, na
Avenida Governador José Malcher, 1105, Bela Vista, CEP 68.198-000, para
revogar a medida preventiva em desfavor do paciente, expedindo o competente
alvará de soltura o qual deverá ser assinado pelo juízo de origem, incluindo-se os
dados no Banco Nacional de Mandado de Prisão, obedecidas as cautelas de estilo.
É como voto.
Desa. Eva do Amaral Coelho
Relato
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