O crescimento das facções criminosas no Rio Grande do Norte e os recentes ataques por parte do crime organizado têm levantado questionamentos acerca da forma como esses grupos conseguem ampliar seu número de integrantes. Especialistas explicam que para formar o grupo que pode chegar aos 14 mil, a facção que tem comandado os ataques no Rio Grande do Norte há 11 dias usa de diversos meios, mas, principalmente, a cobrança de dívidas adquiridas com o grupo.
Em vários casos, os membros são obrigados por lideranças a cometerem os atos criminosos. Adolescentes e ex-detentos contraem dívidas com o grupo de várias maneiras, mas principalmente após terem recebido proteção em presídios e apoio dentro e fora das unidades prisionais, incluindo auxílio às famílias. Assim, a forma de pagamento é a composição ao grupo e prática de crimes a mando dos cabeças da organização.
O professor do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN/UAB) e especialista em segurança pública Francisco Augusto Cruz vê a relação como uma forma de escravidão. “Uma prova muito clara disso tudo é que os criminosos que estão ateando fogo estão gravando seus atos, de modo a mostrar que fizeram e terem como resposta das lideranças um perdão de dívidas”, explicou. As dívidas, inclusive, também são relacionadas a consumo de drogas, em alguns casos.
De acordo com o promotor Mariano Lauria, é comum que sejam identificados casos em que adolescentes se envolvem com esses ‘salves’ após serem recrutados pelas facções devido a dívidas acumuladas por consumo de drogas. “Muitos são usuários de drogas e estão devendo para a facção, ingressando nesses ‘salves’ fazendo alguma atividade para saldar suas dividas”, explicou.
Prática é herança do sistema carcerário
Para o professor Francisco Augusto Cruz, a coerção através da cobrança por dívidas é uma prática comum dentro das facções. O professor, que é pesquisador do tema, esse modo de pagamento de dívidas com atos criminosos é herança do sistema prisional. Na cadeia, o detento necessita de recursos financeiros para que necessidades básicas, como compra de produtos de higiene pessoal e limpeza de cela, sejam adquiridos, mas muitas vezes não têm condições financeiras de adquirir os itens. Isso, segundo ele, gera um terreno fértil para que as facções entrem na vida dos detentos, fornecendo recursos para a manutenção de suas necessidades básicas, que serão pagos fora da prisão.
De acordo com Cruz, a facção entrega uma rede de apoio que o detento necessita para a sua sobrevivência dentro do sistema e o Estado corrobora para que as pessoas precisem da facção dentro das cadeias por supostamente não dar a assistência necessária para os criminosos apenados.
A situação foi confirmada pela presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Rio Grande do Norte, Vilma Batista. Segundo ela, os membros das facções “escravizam os presos” por meio da disponibilização e controle desses materiais de primeira necessidade. Para ela, a falta da presença do Estado na entrega do básico auxilia no agir das facções. Segundo a policial penal, uma vez que o preso começa a ficar refém das dívidas adquiridas com as organizações criminosas, ele não consegue se desvencilhar. “O preso hoje no Rio Grande do Norte não fala mais por si”.
Adolescentes cooptados
Até o momento, seis adolescentes foram detidos por envolvimento com os atos criminosos, de acordo com o último balanço das ações das forças de segurança divulgado pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (Sesed). O uso de jovens inimputáveis também é comum pelas facções devido ao fato das medidas de detenção serem mais brandas para esse público. De acordo com o professor Francisco Cruz, muitos jovens são atraídos pela promessa de dinheiro fácil e coagidos por dividas adquiridas por compra de drogas. Além disso, os jovens são alvos fáceis por serem indivíduos em situação de vulnerabilidade social.
O defensor José Alberto Calazans aponta que esses adolescentes sofrem negligência e muitos são vitimas de violência. “Nenhum mora na Zona Sul, ninguém mora em condomínio de luxo ou muito menos frequenta colégio particular. São pessoas que realmente vivem à margem da sociedade, à margem de tudo que a gente possa imaginar”, disse.
Para que esses jovens não retornem ao mundo do crime depois de cumprirem suas penas, o especialista Francisco Augusto Cruz explica que é necessário que o Estado faça acompanhamento individual. “Que seja garantido a ele a assistência educacional, assistência social, assistência a saúde, (para) que ele consiga construir outras referências na sua vida”, finaliza o professor, explicando que, dessa forma, a sociedade continuará lidando com o aumento da criminalidade e alta influência de facções criminosas em áreas onde o Estado não atua.
Créditos: Tribuna do Norte.
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