O chefe de facção que age dentro e fora de presídios, André do Rap foi solto pelo ministro Marco Aurélio Mello, cuja decisão foi cassada por Luiz Fux.
O Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quinta-feira,15, por nove votos a um, pela manutenção da ordem de prisão do traficante André Oliveira Macedo, o André do Rap.
O único voto contrário foi o de Marco Aurélio Mello, que havia dado decisão liminar (provisória) permitindo a soltura do traficante, atualmente foragido.
O entendimento mantém decisão do presidente da Corte, Luiz Fux. No sábado, 10, Fux derrubou liminar (decisão provisória) do colega Marco Aurélio Mello, que havia concedido a soltura do criminoso.
O julgamento começou na quarta,14, e terminou nesta quinta,15. A maioria dos ministros seguiu o voto do presidente do STF, relator do caso, para quem o traficante “debochou da Justiça”.
Para autorizar a soltura do preso, Marco Aurélio Mello se baseou no artigo 316 do Código de Processo Penal, alterado pelo Congresso quando da aprovação do pacote anticrime, segundo o qual uma prisão preventiva (provisória) se torna ilegal se não é reanalisada a cada 90 dias pelo juízo responsável, para tomar a decisão que libertou o traficante.
Segundo Fux, a lei não autoriza solturas automáticas de presos e os requisitos para isso devem ser analisados caso a caso.
Também por maioria, mas de 8 a 1, em razão da ausência do ministro Dias Toffoli, os ministros aprovaram uma tese para orientar as demais instâncias sobre a aplicação do pacote anticrime. Segundo os ministros, a falta de reavaliação das prisões preventivas não gera a soltura automática do preso. Nesses casos, o juiz responsável pela revisão será instado a reavaliar a legalidade e a atualidade dos fundamentos da prisão preventiva.
Nesta quinta, votaram Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, agora decano da Corte. Na quarta-feira, votaram Luiz Fux (relator), Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli. O julgamento não teve a participação de Celso de Mello, ministro que se aposentou nesta terça-feira,13, e ainda deve ser substituído.
Um dos chefes de uma facção criminosa que atua dentro e fora dos presídios de São Paulo, André do Rap estava preso desde setembro de 2019. Ele foi condenado em segunda instância por tráfico internacional de drogas com penas que totalizam mais de 25 anos de reclusão.
André do Rap foi solto após liminar (decisão temporária) concedida pelo ministro Marco Aurélio no último dia 2. O ministro se baseou no artigo 316 do Código de Processo Penal, segundo o qual uma prisão preventiva (provisória) se torna ilegal se não é reanalisada a cada 90 dias pelo juízo responsável.
Com a suspensão da decisão de Marco Aurélio por Fux, o traficante voltou a ser procurado pela polícia. É considerado foragido e está na lista de procurados da Interpol, a polícia internacional.
A ministra Cármen Lúcia lembrou que arquivou vários pedidos que alegaram que a prisão preventiva do réu se tornou ilegal por falta de revisão do juiz depois de 90 dias. “O que o artigo 316 estabeleceu foi o direito À revisão, mas não dá direito à soltura de quem quer que seja”, afirmou.
Cármen Lúcia também disse que o presidente do STF pode cassar a liminar do colega, mas apenas em caráter “excepcional”. “A grande questão é que entre os ministros do Supremo não há hierarquia”, afirmou.
O ministro Ricardo Lewandowski entendeu que o presidente do Supremo não pode cassar decisão de outros ministros. Por isso, esse pedido sequer poderia ter sido analisado por Fux. Assim, Lewandowski divergiu e votou pelo arquivamento do caso.
O ministro ressalvou, no entanto, que se ficar vencido, vai acompanhar o entendimento para permitir a manutenção da prisão de André do Rap, por decisão do presidente do STF, apenas nesse caso específico.
“Não se pode admitir que, fazendo uso processualmente inadequado do instituto de suspensão de liminar, o presidente ou vice do STF se transformem em órgãos revisores de decisões jurisdicionais proferidas por seus pares, convertendo-se em verdadeiros super ministros”, criticou.
Lewandowski elogiou a previsão do pacote anticrime, afirmando que há superlotação nos presídios, com presos provisórios, que “não conseguem ser ouvidos pelos magistrados”.
Penúltimo a votar, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator pela manutenção da prisão de André do Rap, mas disse que “não tem base” a possibilidade de o presidente do STF cassar decisão de outro ministro, que classificou de “incabível”.
Para Gilmar Mendes, a falta de revisão da prisão não autoriza a soltura imediata do traficante, pois, segundo ele, estava demonstrado o “elevadíssimo risco de sua evasão”.
O ministro questionou a demora da Procuradoria-Geral da República em contestar a soltura, que só ocorreu depois que o traficante estava em liberdade. “É um festival de erros, equívocos e omissões”, disse.
Para Mendes, o dever de prudência é dos juízes e é dever do Ministério Público controlar a legalidade das prisões. “Se não bastassem os tantos responsáveis pelos equívocos, há quem ainda precise buscar culpados do outro lado da Praça dos Três Poderes”, afirmou.
“O que a norma tenta é criar um tipo de aferidor temporal, um elemento de monitoramento do sistema para que o juiz possa aferir inclusive se o processo anda para frente. São tantos os casos de habeas corpus por excesso de prazo, graves, porque o processo não tem seu andamento devido. E o Congresso está fazendo algo mais ou menos singelo, colocando marcador temporal para efetuar esse acompanhamento.”
Último a votar no julgamento, o decano Marco Aurélio Mello defendeu sua decisão e disse que “se paga um preço por se estar em um estado democrático de direito e este preço é módico e está ao alcance de todos: o respeito estrito ao arcabouço normativo legal e constitucional”.
“Continuo convencido do acerto da liminar que implementei. E se alguém falhou, não fui eu. Não posso ser colocado como bode expiatório do juiz de origem, com a falta de diligência do Ministério Público, estado acusador, e ou uma falta de diligência na representação da própria polícia”, afirmou.
O ministro disse ainda que não foi sua primeira decisão nesse sentido, citando levantamento do G1 com 79 decisões semelhantes.
“Não poderíamos deixar de implementar essa medida. Então foi a primeira, foi segundo o grande veículo de comunicação G1, a octagésima, ou a septuagésima nona decisão por mim proferida. Mas, nesse caso, tivemos essa celeuma toda para desgaste de toda a instituição que é o Supremo”, afirmou.
“Não me sinto, em que pese as inúmeras críticas, no banco dos réus. Atuei como julgador nessa missão sublime de julgar personificando o que faço há 41 anos”, afirmou. “E o habeas corpus ele reclama, para haver a concessão da ordem, a prática de um ato ilegal, a cercear a liberdade de ir e vir do cidadão.”
Para Marco Aurélio, a decisão que tomou deveria ser revista pela turma, e não pelo plenário, que é quem decide recurso sobre habeas corpus.
"Continuo como relator, e buscaremos ter o processo aparelhado para submetê-lo ao colegiado, órgão democrático por excelência."
Marco Aurélio também refutou a possibilidade de o presidente do STF cassar liminares de outros ministros.
“Amanhã, a presidência poderá cassar uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, da ministra Cármen Lúcia, do ministro Edson Fachin, do ministro Ricardo Lewandowski. E no passado Vossa Excelência cassou uma decisão dele, ministro Ricardo Lewandowski, mas a situação não chegou ao plenário. Agora chegou.”
Ao votar, o ministro Luiz Fux afirmou que derrubou de forma “excepcionalíssima” a decisão do colega. Segundo ele, a decisão desrespeitou diversos precedentes do STF, beneficiando um líder de facção que "permaneceu por cinco anos foragido e foi condenado por tráfico de quatro toneladas de cocaína".
Fux disse ainda que André do Rap "debochou da Justiça" por ter se aproveitado da decisão "para evadir-se imediatamente" e "cometeu fraude processual ao indicar endereço falso". O traficante agora é considerado foragido e está na lista de procurados da Interpol, a polícia internacional.
Sobre o pacote anticrime aprovado pelo Congresso, que introduziu no artigo 316 do Código Penal o dispositivo com base no qual Marco Aurélio Mello tomou a decisão, Fux afirmou que isso "não conduz à revogação automática da prisão preventiva" e que devem ser analisadas a legalidade e a atualidade dos fundamentos da preventiva antes de conceder os habeas corpus.
"[A soltura] somente é possível mediante decisão fundamentada do órgão julgador, no sentido da ausência dos motivos autorizadores da cautela, e não do mero transcorrer do tempo", afirmou.
Conforme demonstrou o G1, o ministro Marco Aurélio Mello tem aplicado à risca a nova legislação. Foram ao menos 79 solturas pela falta de reavaliação das prisões pelos juízos competentes, incluindo crimes graves, como homicídio, e mais leves, furto.
O ministro Alexandre de Moraes afirmou que André do Rap é um criminoso "de altíssima periculosidade" e, em um “total escárnio à polícia e à Justiça, ficou cinco anos foragido”.
“Após esses cinco anos, ele foi preso numa vida nababesca, numa casa de frente para o mar, e com ele foram encontrados um helicóptero, no custo de aproximadamente R$ 8 milhões, duas embarcações, de R$ 5 milhões, inúmeros outros bens. Ou seja, ele continuava nesses cinco anos realizando fluxo do tráfico de entorpecentes”, argumentou o ministro.
Para Moraes, “não é uma mera prisão preventiva. Ele tem uma dupla condenação em segundo grau, num total de 25 anos. Além disso, continua sendo investigado por outros delitos”.
De acordo com o ministro, o pacote anticrime não autoriza a soltura automática de presos por falta de revisão de prisões. Segundo ele, a prisão pode vir a se tornar ilegal, mas “mediante uma análise obrigatória.
“Não há automaticidade, não se fixou prazo fatal. A lei não diz: a prisão preventiva tem 90 dias. Se quiser prorrogar, decrete de novo. Não diz isso. Ela diz que tem dever de ser feita uma análise. E a análise pressupõe as peculiaridades de cada um dos casos", declarou.
Acompanhando o relator Fux, Alexandre de Moraes sugeriu também que a revisão prisional não seja aplicada quando se tratar de condenado em segunda instância.
O ministro Edson Fachin acompanhou o relator e afirmou que o juiz deve investigar a demora em cada processos, pois a prisão provisória exige “fiscalização constante”.
“A inovação legislativa, ao contrário de atestar a inadmissibilidade das prisões e a completa falência do sistema prisional, procura criar condições para a execução das medidas cautelares de restrição de liberdade diante das carências do sistema de justiça criminal”, disse Fachin.
Em seguida, o ministro Luís Roberto Barroso, também acompanhando o voto de Fux, afirmou que “não tem sido singela a tarefa de procurar fazer com que o Brasil seja um país em que o crime compensa, os bandidos perseguem os mocinhos e muitas vezes o mal vence no final”.
“Esse caso confirma minha convicção de que a decisão que impediu a execução depois de condenação em segundo grau foi um equívoco que o Legislativo precisa remediar. Só estamos julgando esse caso porque um réu condenado em dois processos a 25 anos ainda é, por decisão do STF, considerado inocente. Se não, o caso já estaria encerrado como deveria estar. Mas há essa cultura da procrastinação e da impunidade que não deixam o processo acabar. De modo que este cavalheiro, objeto dessa nossa discussão, é ainda presumido inocente, absurdo como possa parecer”, afirmou.
“A omissão do juiz em reavaliar a prisão preventiva não tem como consequência a soltura automática do preso, porque isso poderia significar colocar na rua os mais perigosos facínoras”, disse. Segundo o ministro, o juiz deve ser provocado a reavaliar, mas, nesse caso, como há condenação, sequer isso. "O artigo 316 se aplica a casos em que não há condenação", disse.
A ministra Rosa Weber acompanhou o relator pela manutenção da prisão do traficante, mas reforçou que o presidente do STF não pode derrubar decisão de colega em temas penais.
Segundo a ministra, Fux não inovou ao suspender a liminar de Marco Aurélio, mas essa decisão “carece de amparo legal e regimental”.
Mesmo assim, no caso de André do Rap, Rosa Weber decidiu votar a favor de manter a decisão de Fux. O ministro Dias Toffoli também acompanhou o relator, formando maioria pela manutenção da prisão.
Toffoli disse que sabe as responsabilidades de ser presidente do Supremo e defendeu que a lei não permite a soltura automática de presos.“Assim como a lei não pode prender, assim a lei não solta, não manda soltar. Daí a necessidade do juiz. Então, aqui eu entendo que, havendo a ultrapassagem do prazo previsto no Código de Processo Penal, já fiz decisões no sentido de determinar ao juiz que se manifeste a respeito. Ou seja, não há automaticidade em soltura”, disse o ministro.C
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